L´Avenir, l´avenir...mystére
Victor Hugo
O Palácio das Laranjeiras, assim chamado atualmente, é um exemplo típico de equívoco, que abrange um leque de ilusões. Nascido entre dois mundos, um já próximo ao esgotamento de sua expressão, outro de novas exigências de toda natureza, a se revelarem com força incontida. O cinema, o automóvel, o avião, novas experiências literárias, Proust, Joyce, a extraordinária revolução artística, proposta pelo Cubismo, a teoria da relatividade de Einstein, Freud, o Jazz, uma Europa que se engalfinha, a denúncia paradoxalmente lúcida do Dadaísmo, o avanço dos movimentos de sufrágio feminino. Tudo isso nos revela não uma silhueta, mas sim um novo mundo.
A casa que agora chamamos de Palácio, nasce, no curtíssimo intervalo desses dois mundos, 1912-1918. É óbvio que encontramos nesse monumento as marcas de sofrimento e melancolia do confronto com a realidade, a explicitação do engano. Nunca foi tão desnecessária a bola de cristal na pré-visão do porvir. O rei estava nu. O mistério do futuro estava presente na consciência, pelo menos de uma parte da sociedade que sentia a força de uma radical transformação em Nação “livre”, República com menos de vinte e cinco anos.
Acresce-se ainda a ilusão megalonoma,que, aliás, sempre teve muitos exemplos na História, do sonho da garantia eterna de recursos materiais inesgotáveis. O fato mais tocante é a marca cruel do anacronismo que em parte compromete a originalidade e força da criação. É a marca de uma época, caldatária de modelos alienígenas. Os modelos aí estão, calcados na Ópera de Paris de Garnier e os devaneios oníricos de Ludovg II da Baviera.
A preservação do Bem Cultural, já adulto de quase um século é que está em questão. O monumento, com indiscutível foro de dinossauro é um fato real. Cabe também considerarmos a marca de uma configuração que teve um dos herdeiros do espólio Eduardo Guinle o engenheiro Cesar Guinle, homem esclarecido, de encabeçar a idéia de vender a casa para o Governo Federal, com a destinação de receber hóspedes notáveis ou chefes de Estado, bem como também a de preservar o parque como um todo, transformando-o em uma espécie de bairro especial, idéia muito mais avançada e democrática, do que um simples condomínio fechado.
Para garantia dessa qualidade, depois de algumas dúvidas e vicissitudes foi convidado o Arq. Lucio Costa, “pré-Brasília”, para deixar a marca de seu talento e espírito iluminado de gênio, que a tudo anima e convida a reflexão . Essa foi a virtude final. O todo estava salvo. O anacronismo e as marcas do tempo. O ser arqueológico estava enfim exposto para a lição de todos. Acho que sem dúvida é assim que somos convidados a preservá-lo... e na sua justa medida admirá-lo. O que interessa é mantê-lo o mais possível, na sua inteireza original. Tudo isso dentro do mais absoluto bom senso. Não se trata, de um bem tombado com características de revelação de linguagem vernácula, ao contrário, a medida que o tempo avança suas curiosidades anacrônicas, despertam alguma admiração e respeito.
Quanto à parte residencial, para qual foi solicitada nossa particular atenção devemos dizer que é bastante precária. Esta parte, na verdade restringe-se ao 2° pavimento que é em forma de “Y”, tendo como rótula a área aberta do palácio, ventilada, aberta e agradável, digamos doméstica. A ala dos quartos propriamente dita é bastante inconfortável, sofre o efeito de uma planta primitiva, onde a circulação é fundamentalmente exterior. Houve uma tentativa de atualização de uma adequação contemporânea na parte de banheiros, que não logrou bom resultado, resultando em acessos penosos por grandes diferenças de níveis e que por fim também produziram infiltrações que atingem o atual andar de despachos do Governador. Além de situações estanques na configuração dos apartamentos, quartos, banheiros, sala de ginástica, corredor externo, temos permanentemente a preocupação da preservação dos itens básicos que caracterizam as intenções da construção.
Tornar esta ala, de configuração bastante intrincada em uma parte confortável e digna é tarefa de peso. A parte social de representação oferece agradável surpresa por sua boa preservação. É óbvio que ao longo do tempo, veio sofrendo intervenções de toda natureza. Há a permanente marca do tempo, quase cem anos que torna o edifício como um todo, um dinossauro. Carece sim, adequá-lo ao uso de como entidade viva, possa servir de melhor forma aos interesses do estado.
Intervenções nos Pavimentos – Alas Residencial e Serviço
Serão realizadas uma série de intervenções pontuais nas alas residencial e serviço de forma a adequar o Palácio para o uso residencial permanente, eventos e recepção, respeitando e tirando partido das limitações intrínsecas a sua arquitetura e composição estética, esta ultima, pilar fundamental na distinção de cada espaço interno. As novas intervenções se pautam por seu caráter minimalista, se somando à edificação como complemento funcional e se distribuindo da seguinte forma:
Pavimento Térreo:
- Reforma e restauro dos banheiros, com transformação do banheiro junto à copa para PNE (portadores de necessidades especiais)_ver memorial banheiros;
- Reforma e restauro da ala de serviço: copa, cozinha, despensas, banheiros, nova escada de acesso a cobertura e apoio técnico cozinha;
- Rampa de acesso para PNE.
Segundo Pavimento:
- Nova copa na Sala de Cinema;
- Reforma banheiros sociais, sendo um para PNE_ver memorial banheiros;
- Área de apoio para cozinha (depósito, confeitaria e gardmanger);
Cobertura:
- Novas coberturas em vidro na varanda do segundo pavimento e para acesso ao telhado e casa de máquinas;
Memorial Ala de Serviço
A atual cozinha e área de serviço será adequada para um uso industrial, com instalações e equipamentos de acordo com a atual demanda. Azulejaria e mobiliário serão restaurados e novos equipamentos de apoio instalados. A infraestrutura atual – usos de apoio e equipamentos - será distribuída no primeiro e segundo pavimento de acordo com suas especificidades. Para isso será desenhada uma nova escada de acesso à cobertura, mais confortável, interligando todos os pavimentos. A conexão com a cobertura permitirá acesso franco para manutenção do telhado, tubulações e equipamentos de ar condicionado. A área da despensa será setorizada para melhor abrigar os alimentos. Próximo, estaráo as novas câmaras de refrigeração e congelamento, salas de aprovisionamento e da chef de cozinha, com maior privacidade, mobiliário e layout adequados. O banheiro será transformado em uso comum, ocupando uma área menor de forma a otimizar o uso do espaço de serviço como um todo.
Na Sala de Cinema, será criada uma pequena copa de apoio, com divisória em madeira tipo “camarão”, permitindo, quando desejado, integrar todo o espaço. Um monta-cargas, localizado na confeitaria, auxiliará no sobe e desce de mantimentos.
Na cobertura, o pequeno quarto localizado no torreão será adaptado e utilizado como área técnica, abrigando aparelhos de ar condicionado. O acesso a este espaço e ao telhado como um todo será feito através de nova laje de piso e cobertura de vidro (perfis metálicos e vidro 10mm) na área correspondente a projeção da nova escada e banheiros do térreo.
Cliente: Governo do estado do Rio de Janeiro
Autores: Rodrigo Azevedo + Jorge Hue e Francisco Hue
Data: 2012
Área: 5000m2
Equipe (AAA): Francisco Cunha, Maxime Baron, Ana Huertas, Robério Catelani.
Projeto aprovado no IPHAN e INEPAC. Recursos oriundos da Lei Rouanet.