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Museu Marítimo do Brasil

Concurso Nacional de Projetos_Melhor Projeto

“Para que servem os museus? Para quem são eles? Como instituição, já faz algum tempo que defendemos o foco de nossas ações na sociedade. Não somos apenas um lugar para algumas pessoas virem e olharem algo na parede; queremos ser significativos na vida de todos. Nossa capacidade de reunir pessoas diferentes e ajudá-las a aprenderem umas sobre as outras é agora mais crucial e necessária do que nunca.”


Franklin Sirmans

Director, Pérez Art Museum Miami (PAMM), EUA

The Future of The Museums, Andras Szanto


Observador privilegiado da história

Por sua localização, o novo Museu Marítimo surge com uma grande responsabilidade histórica com a cidade do Rio de Janeiro. A Doca da Alfândega, parte integrante da área do futuro Museu, é testemunha ocular dos grandes acontecimentos urbanos do século XIX, XX e XXI ocorridos na cidade. Desde antes de sua construção, em 1853, por ali já passavam os escravos vindos do continente africano, o trânsito intenso de barcos pela Baía de Guanabara e as mercadorias oriundas de outras regiões do Brasil, como Minas Gerais.


Esta região funcionou como um laboratório para intervenções urbanas no país. Desde a chegada da família Real, transformações na superfície da cidade foram implementadas com o objetivo de adequar a precária infraestrutura da urbe colonial aos padrões europeus. Esse entendimento de atualização da cidade “de acordo com os padrões europeus” se manteve até os dias atuais. Pressupõe como parte desta adequação urbana, a produção de uma cidade somente para parte da sociedade, o que exclui os menos favorecidos. E o centro da cidade do Rio de Janeiro, em especial a região da Doca da Alfândega, é a materialização desse processo de produção de cidade.


A implementação da Avenida Rio Branco no início do século XX, os desmontes dos morros na área central (Castelo, Senado e Santo Antônio), a construção da Presidente Vargas em 1942, são algumas das intervenções que mudaram radicalmente a arquitetura da paisagem e que, curiosamente, compartilham a mesma visão de cidade: a construção de uma região central monofuncional – exclusivamente para o trabalho – e consequentemente com pouca diversidade social. A intervenção mais radical e que mais afetou a área foi, sem dúvida, a construção da Avenida Presidente Vargas. A demolição do casario, das igrejas, das praças, largos e ruas que estavam em seu caminho, como a mítica Praça XI, berço do samba, expulsou uma enorme quantidade de residentes e mudou, definitivamente, o perfil social e arquitetônico da região. A cidade que vemos hoje não possui, nem de perto, a vitalidade e a diversidade do passado.


Era nos mercados e nos armazéns beirando a água e nos sobrados com comércio ao rés-do-chão e residência na parte superior que acontecia uma cidade fervilhante, caótica, de raças e cores misturadas. Embarcações coloridas e de diferentes tipos atracavam na Doca da Alfandega trazendo e levando mercadorias e passageiros, contribuindo para a formação cultural da cidade e sua forte relação com o mar. Aos poucos, essa relação vai se reduzindo, principalmente na área central. A partir da década de 1950-60, a cidade do Rio de Janeiro começa a ser “retalhada” pela construção de grandes avenidas, túneis, vias expressas e elevados. Neste período, a Doca da Alfândega e grande parte da orla da região central é “separada” do centro pela construção do Elevado da Perimetral. A desqualificação urbanística do Centro culminou com a criação de uma legislação, na década de 1970, que não permitia residências na região central.


Desde a década de 1980, várias iniciativas urbanísticas buscam mudar o perfil da região para tornar o Centro uma região mais plural e diversa, através de incentivo ao uso residencial, qualificação urbanística, redução das superfícies exclusivas para carros, pedestrianização, implantação de modais não poluentes – como metrô e VLT –, entre outras. Entretanto, nenhuma dessas iniciativas teve êxito em trazer a vitalidade urbana que havia no início do século XX. Com esse projeto que, ao longo de décadas, baseou-se exclusivamente na produção de espaços não residenciais, afastando a população para bairros distantes, em sua maioria longe do mar, fez com que esta região se tornasse a de menor densidade populacional da cidade. E por isso hoje ela sofre, pesadamente, as consequências econômicas fruto da pandemia de covid-19. Substituiu-se uma morfologia urbana que em fins do século XIX foi capaz de produzir o samba por outra que, cem anos depois, produziu uma cidade vazia.


Um catalisador de qualidades

O Museu Marítimo nasce com a responsabilidade de se tornar uma âncora urbana, um catalisador de qualidades urbanas com condições de dialogar e potencializar o patrimônio histórico e a memória coletiva. Sua arquitetura deve ir além da passividade de um museu tradicional, em que sua única responsabilidade é conservar e exibir seu acervo.

A partir da ampliação da relação da população com o mar e a cidade histórica, o Museu Marítimo tem capacidade de ativar a economia local e os espaços públicos lindeiros e, acima de tudo, se tornar um espaço de produção de conhecimento e encontro.


Patrimônio histórico e memória coletiva

O novo Museu se assenta em uma área que é parte integrante, e também resquício, do contraditório desenvolvimento urbano da cidade. Desta forma, o molhe de pedra da antiga Doca da Alfândega é um importante elemento arquitetural através do qual podemos entender a nossa história e, a partir da decisão de como recuperá-lo e utilizá-lo como parte do Museu Marítimo, definir as ambições futuras para esta região central e sua consequente relação com as águas da Baía de Guanabara. Nossa proposta se baseia na restauração do molhe conforme suas características originais, de forma e função, adequando-o às demandas técnicas e de uso necessários para o funcionamento do Museu. O molhe se tornará uma plataforma de exposição, uma área destinada a atracação das embarcações para visitação (Navio-Museu Bauru, Submarino Riachuelo) e a exibição dos artefatos militares, como a aeronave, o helicóptero, o carro de combate e a lancha balizadora garoupa. Sua superfície também será utilizada como um cais de atracação das embarcações de passeio (Rebocador e Escuna), além de uma área de permanência e lazer para se apreciar a bela vista da Baía de Guanabara. Sobre o molhe de pedra, uma grande cobertura ondulada protegerá os visitantes e o acervo das intempéries, liberando e emoldurando a vista para as águas, para a Ilha das Cobras e, finalmente, estabelecendo uma conexão visual entre a Igreja da Candelária e a Ilha Fiscal (cidade-mar).

Importante frisar que, atualmente, a vista para a Baía de Guanabara é interrompida na Praça XV e segue parcialmente bloqueada até o Museu do Amanhã, com as edificações da Estação das Barcas, Tribunal de Justiça (Centro Administrativo), Tribunal Marítimo, CPRJ e as edificações da Ilha das Cobras. Com isso, parte do Museu deverá ser construída junto as edificações do CPRJ e do Tribunal Marítimo, no lugar onde, no século XIX, era ocupado por uma edificação com volumetria e escala similar ao prédio proposto. Sua implantação fortalecerá a estrutura urbana beira-mar existente, localizada entre o restaurante Albamar e a Igreja da Candelária, ao mesmo tempo que estabelece um diálogo com a Casa França-Brasil, Centro Cultural dos Correios e Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), constituindo um potente e dinâmico conjunto cultural. Desta forma, o Museu da Marinha se consolida como o meio e a mensagem de uma nova maneira da cidade se relacionar com suas águas e seu patrimônio histórico.


Espaço articulador de encontros e conhecimentos

A implantação e a organização dos espaços do Museu da Marítimo se estruturam a partir do reconhecimento e incorporação de três eixos visuais: o eixo cultural, que conecta o pátio entre a Casa França-Brasil, o Centro Cultural dos Correios e o CCBB ao acesso para o novo Museu; o eixo Candelária-Ilha Fiscal, que conecta visualmente essas duas importantes edificações sob a nova cobertura do píer; e o eixo da Orla Conde que, perpendicular aos dois anteriores, estabelece, nas interseções, pontos de interesse paisagístico, patrimonial e de permanência, tal qual antessalas urbanas do novo Museu Marítimo. É a partir desses pontos que o transeunte se encontra com as águas da Baía de Guanabara, emoldurada pela nova cobertura, e com a Galeota e a Nau dos Descobrimentos expostas no interior do museu e visíveis a partir da sua fachada frontal envidraçada. Assim se inicia uma jornada em busca de novas experiências, conhecimentos e perspectivas.


O Museu e seus espaços

A espacialidade interna do Museu Marítimo se organiza fundamentalmente a partir da sua relação com o espaço exterior, isto é, as águas e a cidade são os seus limites físicos e visuais e parte integrante do acervo expositivo. Para alcançar essa premissa, definimos um grande espaço central, um prolongamento do eixo cultural até as águas da Baía de Guanabara, que corta a edificação e assume diversas funções, tais como: acesso (através do grande foyer, de dimensões horizontais similares ao do CCBB), espaços expositivos (permanentes e temporários), circulação e distribuição do público às outras áreas do Museu, além de estabelecer uma conexão direta entre a cidade e o mar. É neste espaço que estão os elementos expositivos fundamentais do Museu, como a Galeota e a Nau dos Descobrimentos (sobre as águas da Baía, ancorada no molhe de pedra). Trata-se do Percurso Histórico, onde o visitante se depara com alguns dos elementos-base da formação de nossa cultura.

Já o molhe de pedra, protegido pela grande cobertura, é dividido em dois grandes espaços expositivos. O primeiro, aberto e ao ar livre, é onde se encontram as embarcações para visitação e passeio, os artefatos militares e a vista para a Ilha Fiscal e a Igreja da Candelária. O segundo, fechado e junto ao prédio do Museu, encontram-se dois espaços de exposição versáteis – permitem configurações diversas – e os acessos à Nau dos Descobrimentos e à Galeria Temporária. Nesse percurso, o visitante tem uma experiência única de imersão na paisagem, nos objetos expostos, na temática e configuração das salas de exposição e na própria Baía de Guanabara, por onde poderá passear de barco. Trata-se do Percurso Imersivo, a principal âncora do Museu Marítimo. O terceiro e último percurso é baseado na temporalidade, nas exposições, instalações e intervenções temporárias, momentâneas, que trazem temáticas complementares, e fundamentais, a compreensão do universo náutico. Este percurso se inicia no foyer de acesso através de uma entrada independente à Galeria Temporária, sem vinculação às outras partes do museu. Esta galeria é um espaço flutuante, como uma balsa, ancorada em pilares, o que permite sua movimentação vertical de acordo com o nível das marés. Trata-se de um espaço completamente hermético, com pé-direito livre de nove metros e possibilidade de subdivisões, garantindo diversas formas de apropriação. Trata-se do Percurso Temporário, onde o visitante será apresentado, periodicamente, a novos conteúdos sempre inter-relacionados com a temática fundamental do Museu.


Foyer de acesso

Esse grande espaço de entrada cumpre diversas funções dentro do museu. Articula, como um hall de acesso, os diversos usos em seu perímetro, como a sala de exposição da Galeota, auditório, loja, café, bilheteria, Galeria Temporária e a circulação de acesso à sala multiuso, restaurante, área educativa (e equipamentos de apoio) e setor administrativo (segundo pavimento). Com pé-direito livre de sete metros, o foyer também pode abrigar exposições temporárias, instalações e eventos, tal qual um grande painel expositivo voltado para a Orla Conde. É através do foyer de acesso que o Museu se comunica com a cidade.


Ativação da economia local

Uma das principais premissas projetuais foi criar uma fachada ativa junto a Orla Conde, isto é, uma superfície com usos variados, voltados para a rua, com capacidade de se apropriar da parte frontal do Museu com atividades e serviços que atraiam e mantenham as pessoas no local. Para isso, distribuímos os usos de caráter comercial, como restaurante, café e loja, ao longo da fachada envidraçada voltada para a Orla Conde, articulados ao foyer de acesso. Essa composição sequencial de usos e espaços interdependentes, com apropriação da área externa, remete a diversidade da cidade do século XIX, com sua variedade de atividades ao longo de uma mesma rua. Desta forma, o Museu Marítimo se tornará a única edificação, ao longo da Orla Conde, a oferecer serviços de gastronomia e comércio de acordo com a tradição carioca.


Terraço-gávea, terraço-jardim

Além dos usos e atividades na beira da Orla Conde, os visitantes também terão acesso aos terraços do Museu. Através de uma escada externa, com acesso pela Orla Conde, será possível alcançar o topo da edificação e vislumbrar, como em uma gávea, a ampla perspectiva da região, com vistas para a cidade, para a nova cobertura e para a Baía de Guanabara. Uma vez dentro do Museu, também será possível ter acesso ao terraço que se encontram sobre a área do restaurante e sala multiuso. Esta área, densamente arborizada, funcionará como uma extensão desses espaços e da área administrativa, localizada no segundo pavimento do museu, se tornando um agradável espaço de permanência, descanso, observação e contemplação.


A nova cobertura: uma varanda para o mar

A cobertura que protege o píer e os artefatos ali expostos é uma homenagem às águas do Rio de Janeiro. Sua forma orgânica remete a uma profusão de referências marítimas: o movimento das águas, as ondas, a fauna marinha – como baleias, tubarões e arraias –, o casco das embarcações, entre outras possibilidades oriundas da percepção de cada um. Uma forma sempre aberta a novas interpretações. Externamente, sua superfície será revestida em chapas de aço inox escovado, que refletirá a luz do dia, conferindo coloração variável de acordo com a movimentação solar. Internamente, a iluminação da cobertura ocorrerá de forma indireta, direcionada para as estruturas de madeira laminada, evidenciando sua técnica construtiva e sua materialidade, transformando-a em um grande rebatedor de luz. Sua estrutura de madeira, apoiada em pilares metálicos, confere leveza e um aspecto estrutural visceral e, ao mesmo tempo, acolhedor para quem transita sob este elemento grandioso. Sua forma é o resultado absoluto das funções complexas propostas para o píer, desde sala de exposição fechada e condicionada, acesso a Nau dos Descobrimentos, ligação visual entre a Igreja da Candelária e a Ilha Fiscal, plataforma de exposição dos artefatos militares até superfície para atracação de embarcações e embarque e desembarque de visitantes do Museu. Seu desenho responde técnica e especificamente às demandas de cada uso proposto para o píer, evidenciando claramente que a forma segue a função.


Apoio técnico

Espaços fundamentais para o funcionamento do Museu, as áreas de apoio técnico foram organizadas e dispostas estrategicamente próximas às funções que possuem responsabilidade direta, de maneira a garantir acesso independente aos técnicos e funcionários responsáveis pela manutenção e funcionamento do museu. A parte administrativa e apoio administrativo se localizam no segundo pavimento, com suas fachadas voltadas para o terraço-jardim e o volume (em permanente movimento de acordo com a maré) da Galeria Temporária. A Zona de Acervo Fechada ao Público se localiza no píer, sob a nova cobertura, próximo a todas as salas de exposição e com ligação direta à Orla Conde pela lateral do Museu (acesso a caminhões).


Um prédio eficiente

Painéis solares na cobertura do museu, terraço-jardim, captação de águas da chuva e uso de caixa de retardo, restauração do píer com nova cobertura em estrutura de madeira laminada gerando grande área de sombreamento, compactação da área expositiva condicionada próxima a Orla Conde (e a estrutura urbana existente) e a organização da planta do museu a partir de um espaço central (otimizando percursos internos), são elementos e diretrizes fundamentais do projeto. É parte do entendimento do contexto e da solução urbanística e arquitetônica adotar estratégias que maximizem a utilização da edificação e, ao mesmo tempo, reduzam seu consumo de energia e produção de CO2.

 


Cliente: Marinha do Brasil / Concurso Nacional de Projetos

Co-autor: Patalano Arquitetura

Local: Doca da Alfândega/Cais dos Mineiros, Centro, Rio de Janeiro

Área: 8.000m2

Data: 2021



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