MEMÓRIA
Memória é uma ideia em disputa. Construir um memorial constitui um esforço de disputar a memória que achamos por bem tê-la coletivamente. Não se trata de preservar a memória do passado, mas sim narrá-la, sabendo que o passado coexiste no presente e está vivo nos corpos. Esta proposta para o memorial visa evocar metaforicamente a luta contra a Covid-19. No Brasil, essa luta encontrou inúmeros percalços que não se limitaram apenas às dificuldades específicas da pandemia. Os desastres políticos somados a uma engrenagem de desinformações anti cientificistas fizeram dessa luta um esforço sobre-humano, gerando traumas na história recente. Portanto, é muito pertinente que esse memorial se situe justamente na Fundação Oswaldo Cruz, instituição importante para a ciência e crucial no Brasil durante o combate à pandemia. A memória a ser evocada é a do esforço. O esforço de uma luta permanente e tensa - um memorial necessário para que se espante o ovo da serpente.
PEDRA
Uma pedra flutuando é a imagem surreal pensada por René Magritte. Na linguagem da pintura, por meio da tinta sobre tela, a pedra flutua à revelia da força da gravidade. Evocar essa imagem para o espaço real requer uma estrutura rigorosa para que a pedra não mais flutue, como pensou Magritte, mas seja suspensa, atirantada. Forma-se então um sistema estrutural que opera em constante tensão e é capaz de suspender uma pedra bruta de toneladas. A circunstância proposta sugere uma espécie de dinâmica entre equilíbrio e instabilidade, peso e leveza. No campo do simbólico, essa pedra suspensa, como já foi dito, remete ao esforço tenso da luta contra a pandemia. Além disso, a suspensão de uma pedra faz pensar sobre o tempo, assunto caro para um memorial. A iminência da queda que nunca se concretiza. A suspensão nesse caso não é apenas da matéria, mas também do próprio tempo. Houve, durante a pandemia, a experiência de um tempo suspenso, que já não seguia as ordens do cotidiano das cidades. A experiência de um tempo de reclusão, efeito e fruto de um mundo que desabou. O registro de tempo que afetou a subjetividade dos viventes terrestres durante o período é evocado neste memorial.
INSERÇÃO
A intervenção proposta não busca, com este projeto, inaugurar um lugar novo. Ela se insere no contexto existente como uma folie, um objeto cuja razão de existir é de ordem simbólica, não funcional. O passante usual verá a mesma paisagem de sempre, mas agora com um novo elemento absurdo: uma pedra bruta suspensa por uma estrutura em concreto e aço. Apesar da estranheza e robustez, a construção busca se articular de forma amigável com a preexistência: a pedra suspensa interage em tensão com o reflexo no espelho d’água, o anel em viga de aço circunscreve uma árvore existente e os pilares são posicionados de tal forma que suas fundações não comprometem nenhuma vegetação local. Trata-se de um elemento estranho que se instala em meio ao cotidiano, sem modificar a paisagem existente, mas acrescenta uma informação, inaugura uma ideia. Paisagem bucólica que curiosamente, como um paradoxo, é separada por um muro da movimentada e intensa Avenida Brasil. Dessa forma, não há necessidade de grande projeto paisagístico - apenas se prevê o deslocamento de certos elementos existentes, bem como o refazimento da impermeabilização do lago atual. A construção proposta interage com as potencialidades locais e as ressalta, como uma nova camada acrescida à mesma paisagem diária.
CONSTRUÇÃO
Algumas formas geométricas existentes na arquitetura já são predestinadas ao êxito estrutural. O círculo tem uma virtude intrínseca à sua forma: ele é indeformável desde que seja submetido a forças uniformes. Foi esse conhecimento que proporcionou a construção de cúpulas ao longo da história - normalmente associadas a construções de caráter simbólico, como templos ou catedrais, por exemplo. Estruturalmente, a proposta de construção desse memorial caminha neste sentido. Trata-se de uma dinâmica que articula um sistema rígido e outro tensionado, equilibrando esforços de compressão e tração. No entanto, ao invés de gerar a forma sólida de uma cúpula - assim como a imaginamos arquetípicamente -, por meio da reorganização de elementos, é gerada uma forma que configura um espaço vazado. É composta de pilares fortes de concreto armado articulados entre si na fundação, trabalhando, portanto, os esforços de compressão no eixo vertical. Uma estrutura em aço composta de um “anel” de 15 metros de diâmetro trava os pilares e, ao mesmo tempo, articula os tirantes de aço que, por meio do equilíbrio de forças de tração, suspendem a pedra bruta.
Cliente: Fiocruz - Concurso Nacional de Projeto
Autoria: Pedro Maia, Rodrigo Azevedo
Colaboração: Eduardo Baltazar (pintura), Robério Catelani (maquete)
Data: 2024