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Casa da Indústria Criativa_FIRJAN/RJ

A arquitetura deve refletir o antagonismo presente no processo criativo

Conceber um espaço para potencializar a criatividade pressupõe criar um ambiente que proporcione, ao mesmo tempo, estímulos nervosos para a criação e a tranquilidade necessária para a materialização da idéia. O espaço arquitetônico destinado a ser a Casa da Indústria Criativa (aqui chamado de CIC) deve materializar em sua forma e espaços o paradoxo inerente ao processo criativo - integração e isolamento, atividades coletivas e individuais, liberdade e disciplina – proporcionando, dentro e fora da nova edificação, ambientes-suportes para a atividade criadora.


COGNIÇÃO

Para se atingir esta condição arquitetônica, o prédio foi desenhado, primeiramente, em função das qualidades únicas do local em que se insere - farta arborização, espaços livres, casario histórico - incorporando-as como parte integrante da nova edificação. Desta forma, contexto exterior e seus elementos se somam a espacialidade da nova edificação como informação cognitiva para o processo criativo. As pranchas a seguir, explicitam as diretrizes que determinaram a implantação e a forma da Casa da Indústria Criativa. A narrativa segue um percurso, desde o espaço mais público (rés-do-chão) até o mais privado (topo da edificação), evidenciando a gradação (vertical) de usos.


IMPLANTAÇÃO

O primeiro passo para se incorporar o espaço público à intervenção e garantir um acesso pleno ao novo espaço foi estabelecer, através da implantação da edificação, uma conexão entre a Rua Guilhermina Guinle e a Rua Dona Mariana, preservando as principais árvores do terreno e incorporando as Casas Geminadas como elemento integrante da intervenção.

Parte do muro na Rua Guilhermina Guinle é substituido por um portão de correr gradeado e todo o piso da área da intervenção é alteado ao nível da calçada, cruzando a rua até o lado oposto do terreno, tal qual uma superfície compartilhada (sharing surface*). Assim, no nível térreo, os espaços público e privado se tornam uma mesma superfície, facilitando o acesso para pedestres, cilcistas, e automóveis.


*Sharing Surface: é uma idéia holandesa, desenvolvido primeiramente pelo engenheiro de trafico Hans Moderman em Oudehaske, 1982. Para economizar verba, Moderman retirou a sinalização e mobiliário urbano criando uma superfície única, onde os transeuntes e demais modos de deslocamento tinham que negociar seus direitos de circulação entre eles. Monderman constatou que a velocidade dos carros diminuiu em 40%. A ausência de qualquer controle de tráfego aumentou a atenção dos motoristas e assim os forço u a diminuir a velociade consideravelmente. Exhibition Road, em Londres, é um exemplo de sucesso recente (2011).


CIRCULAÇÃO E USOS

Através da circulação – horizontal e vertical – e seu percurso ao longo da edificação, conectando todos os ambientes internos, a paisagem externa se torna parte integrante do espaço interno. Suas dimensões diferenciadas permitem não só a circulação como também a permanência, fazendo a vez de uma varanda ou mirante. Desde o foyer, no térreo, o percurso para se chegar ao topo da edificação alterna entre espaços internos e externos, luz natural e artificial, usos abertos e fechados. Seu circuito incorpora todas as paisagens ao redor da edificação, norte, sul, leste e oeste. Entretanto, é na fachada leste (face Rua Guilhermina Guinle) que a circulação faz o contato com o espaço público: uma escada externa, com fechamento em vidro, evidencia a circulação e a dinâmica interna da Casa da Indústria Criativa.


As restrições impostas pela legislação urbana e o programa de usos, também foram determinantes para caracterização do espaço como suporte criativo. A limitação de altura – coerente com o ambiente histórico local – e os usos de caráter público - como Cine Teatro, Auditório e Galeria de Exposição - definiram uma solução arquitetônica compacta e com uma gradação vertical de usos coletivos (no térreo) até mais privados (cobertura).


RÉS-DO-CHÃO E JARDINS

Desta forma, o rés-do-chão é o espaço de excelência para os eventos coletivos, onde se faz a integração entre a rua e o lote, entre o público e o privado. Associado a esta dinâmica mas de maneira independente, os jardins do Palacete, oferecem o ambiente propício para certo grau de isolamento e privacidade, e assim se manterão em nossa proposta, como um “bosque”, um refúgio, um contraponto ao espaço de congregação que acontece na área do prédio anexo. Este jardim se somará, em qualidade e carcaterística, aos da Casa de Rui Barbosa e Praça Radial Sul, consolidando uma rede de praças de bairro na região.


EMBASAMENTO

É o embasamento da nova edificação que faz a conexão com as Casas Geminadas, onde em nossa proposta se localiza o café e o restaurante. Com altura inferior a elas, este elemento interliga a Rua Guilhermina Guinle à Rua Dona Mariana, além de ser também acessso e suporte para o Cubo que contém todas as demais atividades do CIC. Como um hub, o embasamento conecta e distribui os fluxos por todo o prédio, além de abrigar atividades culturais efêmeras – exposição, espetáculos, projeções, entre outros.


CASAS GEMINADAS

A intervenção proposta segue as diretrizes do edital, mantendo sua volumetria, fachadas e cobertura e adequando internamente para receber um restaurante-bar-café. Parte do restaurante está nas Casas Geminadas e parte no embasamento do CIC, ambos voltados para os jardins do Palacete. O restaurante tem acesso também pela Rua Dona Mariana.


FOYER

Nesta parte da nova edificação que se faz o contato entre os elementos existentes - jardins, patrimônio histórico, rua - e os novos. O espaço foi desenhado como um foyer para o bairro, isto é, possui uma escala e dimensão capaz de abrigar uma grande quantidade de pessoas. Além de congregar e distribuir os usuários pelo complexo cultural, o Foyer é também palco para atividades culturais, como espetáculos de musica, apresentações cênicas, instalações artísticas, entre outras. Uma arquibancada ao fundo acomoda o público e posiciona a Rua Guilhermina Guinle como cenário de fundo para os eventos. A recepção/balcão de informação orienta e também distribui os ingressos para os eventos no complexo. Assim, as pessoas aguardam o início das atividades sempre no térreo. Todos os serviços de apoio e infraestrutura da nova edificação se concentram no volume onde está a recepção, desde o subsolo até a cobertura.


CUBO

Um cubo de 27 x 27 x 18m, apoiado sobre o embasamento e afastado das divisas, concentra todas as atividades culturais do CIC – Cine Teatro e Galeria de Exposição, Auditório, Biblioteca e Segmento Corporativo e Administração do complexo. Parte do Cubo se projeta para fora do embasamento, em balanço, marcando a entrada da nova edificação. O espaço conformado por este gesto estrutural é parcialmente livre de pilares, possibilitando usos diversos no Foyer. Neste espaço também se localizam os elevadores que, por sua posição de destaque, tem sua caixa estrutural em perfil metálico e fechamentos com vidro. Apesar de extremamente compacto, as dimensões do cubo e a disposição dos usos no seu interior permitiram prover área suficiente para cada programa, combinando cada um de acordo com sua caracteristica coletiva (ou privada) e orientação (norte, sul, leste, oeste) de maneira a potencializar cada atividade, indivudalmente ou em conjunto com outras.


CINE TEATRO + GALERIA DE EXPOSIÇÃO

Os usos com caráter mais público e de grande concentração de pessoas acontecem no segundo pavimento, como uma continuação do térreo, interligados através de uma rampa. A Galeria, com 174m2 e pé-direito duplo, além de iluminação natural pela parte superior das paredes periféricas, garante um espaço versátil e adequado para exposições e, interligada com o Foyer no térreo, pode ser ocupada em conjunto ou separadamente. As dimensões e a infraestrutura solicitada para o Cine Teatro, o único espaço para 250 pessoas no complexo, conferiu uma grande importância a este equipamento.


O bairro de Botafogo não possui espaços culturais com estas características (e qualidade), portanto, aproveitamos esta oportunidade para adequar tecnicamente a sala para receber mais usos, como música, seminários e eventos de maior porte, consolidando a Casa da Indústria Criativa como um centro cultural de bairro. Desta forma, o Cine Teatro passa a prover outros usos que não demandam,necessariamente, um espaço fechado, sem contato exterior. Isto permitiu abrir a caixa do sala de espetáculos para o Palacete, incorporando sua arquitetura como cenário do Cine Teatro. De acordo com o tipo de uso no seu interior, é possivel descortinar a paisagem exterior. Uma esquadria em vidro duplo faz o fechamento externo deste vão e, na parte interna, telas-tapadeiras fazem a vez de superficíe de projeção ou suporte para cenários.


AUDITÓRIO

Também considerado um equipamento de caráter público, o Auditório está disposto em conjunto com o complexo do Cine Teatro e Galeria, dividindo parte do segundo pavimento com o pé-direito duplo de ambos. Seu acesso principal acontece via escada externa e, para adentrar no andar, atravessa-se uma passarela sobre a Galeria de Exposição, por onde é possível vislumbrar as exposições de cima. É deste pavimento que compreendemos o papel articulador da Galeria de Exposição entre os dois espaços enclausurados. Ao abrir o Auditório e o Cine Teatro para a Galeria, cria-se uma dinâmica própria e complementar a este conjunto de atividades. O acesso a este pavimento - e aos demais superiores, ocorre por três vias: elevadores, escada de incêndio e escada externa.


BIBLIOTECA

A humanidade nunca produziu tanto registro como atualmente, alterando radicalmente o processo de arquivamento e consulta do conhecimento. A internet e o processo de back up instantâneo da produção intelectual da humanidade ampliou as funções da biblioteca trazendo transformações conceituais (e físicas) para responder a uma outra dinâmica de conhecimento. Apesar das novas mídias e formas de buscar conhecimento, a biblioteca não pode perder seu papel fundamental de fiel depositário da cultura. Isto significa que para ser uma boa biblioteca é preciso, acima de tudo, ter um bom acervo do conhecimento que pretende dispor para a população. Alcançada esta premissa, a biblioteca pode então oferecer atividades complementares, com objetivo de formação de público. A biblioteca ora apresentada cumpre o programa solicitado pelo Concurso dispondo seus espaços a partir da visão apresentada acima. Os espaços comuns - leitura e estudo - se abrem para o Palacete e estão próximos ao acesso. Já as salas de aula e cursos, se distribuem ao longo do perímetro da edificação, aproveitando luz natural e vista do entorno. Trata-se de uma biblioteca compacta, que pode e deve trabalhar articulada com outros espaços do CIC, isto é, o usuário pode desenvolver atividades da biblioteca nos espaços do complexo cultural. Por exemplo, nos jardins do Palacete (como leitura e atividades infantis) ou no auditório (ver filmes ou seminários).


O desenho da Biblioteca incorpora um escopo de serviços e possibilidades de uso que já são parte integrante de uma nova abordagem conceitual para bibliotecas, tais como:

- Acesso livre às estantes;

- Acervos diversificados e em diferentes suportes;

- Empréstimo domiciliar;

- Capacitação digital;

- Acesso gratuito à Internet;

- Acesso gratuito à Biblioteca Digital;

- Catálogo bibliográfico on-line;

- Audição individual de música;

- Sessão individual e coletiva (2 pessoas) de filmes;

- Acesso para cadeirante, estantes com até 1.20m de altura e equipamento para leitura em Braile;

- Atividades com crianças e jovens (jardins)

- Atividades de promoção de leitura: salas para leitura e espaço confortável para contação de histórias.


SEGMENTO CORPORATIVO + ADMINISTRAÇÃO

Este pavimento possui os usos mais privados, com acesso restrito ao público em geral. Ao mesmo tempo, reúne as pessoas responsáveis pela materialização e manutenção do complexo cultural Casa da Indústria Criativa. Por estas razões, estes usos estão localizados no último pavimento. Sua organização espacial está divida em duas alas: na fachada leste, a Administração e na oeste, o Segmento Corporativo (conforme diagrama de usus ao lado). Os espaços de trabalho, com uso mais intenso foram dispostos ao longo do perímetro, se beneficiando de luz natural e vista para o entorno. Os dois espaços de reunião, que concentram mais pessoas, se localizam no centro do pavimento, e se beneficiam de luz natural oriunda da abertura zenital na cobertura. Este elemento, disposto sobre e ao longo do corredor interno é regulável, permitindo a saída de ar quente do andar. A abertura zenital trabalha em conjunto com o teto verde para regular a temperatura interna. Enquanto o segundo retarda a carga térmica diurna, o primeiro dispersa a carga acumulada no período noturno, quando não há mais pessoas trabalhando no andar. Isto contribui para ter sempre um ambiente fresco, sem consumo excessivo de energia para resfriamento.


SUBSOLO

Os limites do subsolo estão definidos pela projeção do Cubo, com exceção das faces oeste e sul, onde encosta na divisa do lote. Esta é a dimensão máxima que preserva a arborização existente e não compromete a estrutura dos bens tombados do complexo cultural. Nesta área foi possível abrigar as demandas necessárias para as Instalações Complementares (e Ar Condicionado) e prover vagas de estacionamento para o andar do Segmento Corporativo e Adminitração em uma proporção de uma vaga para cada 25m2 de área (32 vagas, conforme legislação para usos de escritório). Por Botafogo ser um bairro com ampla oferta de transporte coletivo e mobilidade - metrô, ônibus, ciclovia - não consideramos necessário prover vagas para os usuários (usos culturais). Quando em dias de evento, o estacionamento pode ser utilizado com o sistema “vaga presa”, podendo dobrar sua capacidade. Caso a organização do concurso demande mais vagas, é possível fazer um segundo subsolo, o que aumentará, e muito, os custos do empreendimento.


VIABILIDADE ECONÔMICA

Quando do início do concurso, iniciamos uma pesquisa no mercado da construção civil do Rio de Janeiro para programas e construções similares ao proposto e constatamos o valor médio de R$4.350,00/M2 (sem mobiliário). Considerando que grande parte do programa de usos do CIC demandam materias e revestimentos específicos - como o Cine Teatro, Galeria de Exposição, Auditório, Biblioteca - que já possuem valor de mercado consolidado, a única forma de ter um custo de obra mais baixo seria reduzir sua área. E esta foi nossa principal preocupação. Nossa estratégia para tornar este projeto viável foi compactar ao máximo seu programa de usos, se utilizando, sempre que possível, espaços compartilhados. Esta estratégia se mostrou especialmente eficaz para o programa de uso do edifício - industria criativa - que demanda espaços de forte apelo cognitivo. Com isso, reduzimos sua área construída para menos do estimado pela organização do concurso (ver tabela a seguir), sem perder qualidade e funcionalidade e consequentemente, preservando um maior número de árvores. Para uma área total de 5.800m2, temos o valor estimado de R$25.230.000,00. Neste valor já está incluido a restauração e adaptação do casario tombado (Casas Geminadas).


Concurso Nacional de Projetos_Menção honrosa


Cliente: FIRJAN

Local: bairro de Botafogo, Rio de Janeiro

Data: 2012

Área: 5.794.85m2

Maquete: Robério Catelani



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